Conjugação verbal às vezes é um inferno. Dependendo do verbo em questão, pode-se ficar em dúvida sobre tempos e pessoas verbais nos quais ele pode ser conjugado. O problema se torna maior quando existem divergências entre o que já é usual na língua e o que é normatizado.
Vejamos o caso do verbo 'explodir': tradicionalmente, é considerado defectivo, isto é, um verbo que não apresenta todas as formas do paradigma a que pertence (como reaver, precaver, falir, abolir, adequar, colorir, demolir, extorquir, ressarcir, computar, viger, remir, etc). Entretanto, quem consulta as obras lexicográficas mais conhecidas do português brasileiro pode assimilar outro entendimento.
Comecemos pelo Houaiss. Em sua versão eletrônica, ele informa que explodir é regular e apresenta a sua conjugação em TODOS os tempos e pessoas verbais, aceita as formas explodo, exploda e explodam.
Aurélio (2009)
No verbete explodir, entretanto, consta a seguinte nota: "Geralmente considerado defectivo, não teria as formas em que ao 'd' da raiz se segue 'a' ou 'o' (1ª pessoa do singular do presente do indicativo, todo o presente do subjuntivo, imperativo afirmativo, com exceção da 2ª pessoa do plural, e o imperativo negativo), e nos pretéritos e futuros tem a conjugação regular, como partir". Além disso, informa o seguinte, dentro da própria janela da ferramenta que conjuga o verbo: "[...] tem sido usado com conjugação completa, semelhante ao verbo dormir, ocorrendo também a forma 'expludo' para a 1ª pessoa do singular e, portanto, para o presente do subjuntivo" (grifo nosso)¹.
O 'rival' Aurélio faz quase a mesma coisa em sua versão eletrônica, conjugando explodir em todos os tempos e pessoas (conforme imagem ao lado). Entretanto, contrariamente ao que apresenta, afirma que tal verbo é "defectivo, não conjugável na 1ª pessoa do singular do presente do indicativo, nem, portanto, no presente do subjuntivo". Se considerarmos apenas esta nota e não as conjugações exibidas, notamos uma divergência em relação ao Houaiss (que afirma que a tal defectividade se estenderia aos imperativos afirmativo e negativo).
Em sua versão eletrônica (não a versão on-line), o Aulete não conjuga o verbo na 1ª pessoa do presente do indicativo e em nenhuma pessoa do presente do subjuntivo, mas informa que "na língua corrente, tanto falada quanto escrita, já é comum o emprego da 1ª pessoa singular do presente do indicativo explodo [ô], e das formas do presente do subjuntivo exploda [ô], explodas [ô] etc" (grifo nosso).
No âmbito lexicográfico², percebemos que os dicionários reconhecem (e registram) esses usos. Do ponto de vista normativo, porém, a coisa muda de figura: de acordo com Napoleão Mendes de Almeida, certos verbos da terceira conjugação, como polir, colorir e outros, só se conjugam nas formas em cuja desinência existe i. Nas formas em que o paradigma partir não tiver i (o que se dá nas três pessoas do singular e na 3ª pessoa do presente do indicativo, no singular do imperativo e no presente do subjuntivo), tais verbos não poderão ser conjugados (ALMEIDA, 1981, p. 6).
O autor observa ainda que, desses verbos, há alguns que "toleram as flexões e e em: bane, brande, explode, carpe, discerne, explode, freme, gane, haure, late, mune". Apesar disso, o gramático oferece uma alternativa para a defectividade, informando que quando necessário, recorre-se, para preencher as falhas de conjugação, ou a um verbo sinônimo ou a uma locução verbal: estou polindo, sei colorir, vou extorquir, preciso abolir, ele se põe a vagir; eu lustro, eu pinto, eu tomo à força, eu elimino, ele geme. (ALMEIDA, 1981, p. 6).
Domingos Paschoal Cegalla pensa de modo semelhante: "[o verbo explodir] só tem as formas em que ao d se seguem e ou i: explode, explodiu, etc". Para as formas inexistentes, dá alternativa diferente de Napoleão: "suprem-se as formas defectivas com o verbo estourar". Entretanto, reconhece que "escritores modernos têm usado as formas explodo, exploda" (CEGALLA, 2009, p. 167).
Celso Pedro Luft apresenta a mesma restrição – e, assim como Cegalla, sugere como alternativa o uso do verbo estourar.
não se emprega na 1ª pessoa do singular do presente do indicativo e em todo o presente do subjuntivo, embora haja quem defenda essas formas (expludo, expluda[s], expludamos, expludam). As formas inexistentes são supridas pelas do sinônimo estourar. (LUFT, 2010, p. 161, grifo nosso).
Luiz Antônio Sacconi, em seu Dicionário de Dúvidas, Dificuldades e Curiosidades da Língua Portuguesa, também condena a conjugação do verbo na 1ª pessoa do presente do indicativo e em todo o presente do subjuntivo – embora admita as formas expludo, expluda – e, tal como Cegalla, sugere como alternativa o uso do verbo estourar:
Embora a gramática tradicional estabeleça essa regra, a língua cotidiana tem consagrado este verbo na sua conjugação completa, usando expludo como a primeira pessoa do singular do presente do indicativo, seguindo o modelo do verbo dormir. São, portanto, equivocadas a forma "explodo" e as supostas derivações "exploda", "explodas", etc. Assim, podemos até admitir: Quero que ela expluda. Mas não: Quero que ela "exploda". Eu expludo de raiva, quando isso acontece. E não: Eu "explodo" de raiva, quando isso acontece. Todavia, o melhor mesmo é substituir as formas deste verbo, condenadas pela gramática, pelas correspondentes de estourar (SACCONI, 2005, p. 192).
As citações dos gramáticos acima já devem ser suficientes para identificarmos certo consenso normalizador em torno da condição defectiva do verbo explodir. Todavia, elas se mostram notavelmente conflitantes com o que se vê, na prática, no âmbito da linguagem culta. Isso nos leva a questionar: qual é a lógica da defectividade de um verbo? Ora, ela não é necessariamente inerente à própria natureza verbal original, mas deve se desenvolver de acordo com um uso que, consolidado, abranja ou não todas as pessoas e tempos possíveis. Poderiam esses usos verbais se estabilizarem de tal forma num dado momento histórico da linguagem culta a ponto de impedir que o verbo, originalmente defectivo, evoluísse para outra condição? O que de fato faz o verbo explodir continuar a ser defectivo? A norma ou o uso? Em seu Breviário da Conjugação de Verbos da Língua Portuguesa, Otelo Reis declara que foi o uso que não consagrou certas formas, as quais, nunca tendo sido vistas ou ouvidas, são espontaneamente evitadas pelos que procuram falar corretamente. Em outros, é a eufonia que faz omitir algumas desagradáveis ao ouvido, ou geradoras de equívocos. Em outros, ainda, a defectibilidade resulta de ser impossível conceber-se, aplicada a certas pessoas, ou em certos tempos, a ideia expressa pelo verbo (REIS, 1971, p. 13-14).
Podemos concordar pelo menos em parte com esta citação. Existem, é claro, casos em que a defectividade depende da natureza peculiar do verbo. Cada caso é um caso. O que não podemos admitir é que, em relação a determinados verbos (como explodir), essa consagração fique reservada exclusivamente ao passado da língua: ao entendermos que "foi o uso que não consagrou certas formas", devemos levar tal lógica adiante e também admitir que é o uso que continua, ainda hoje, a consagrar ou não certas formas, e que continuará a fazê-lo no futuro.
Assim, se Sacconi diz que "a língua cotidiana tem consagrado este verbo na sua conjugação completa", se Cegalla reconhece que "escritores modernos têm usado as formas explodo, exploda" e se Luft admite haver "quem defenda essas formas", se os dicionaristas registram esses usos, não vemos por que realmente manter a condenação no âmbito da prescrição gramatical.
Um argumento fulminante a favor deste nosso pensamento pode ser fundamentado a partir de duas citações: primeiramente, o comentário de Evanildo Bechara, o maior gramático brasileiro vivo (que concorda com os colegas supracitados quanto a essa questão):
Muitos verbos apontados outrora como defectivos são hoje conjugados integralmente: agir, advir, compelir, desmedir-se, discernir, embair, emergir, imergir, fruir, polir, prazer, submergir. Ressarcir e refulgir (que alguns gramáticos só mandam conjugar nas formas em que o radical é seguido de e ou i) tendem a ser empregados como verbos completos (BECHARA, 2009, grifo nosso).
E, finalmente, a afirmação impecável do filólogo Mário Barreto:
A morfologia não tem leis especiais para excluir de sua formação total nenhum dos verbos que se têm por defectivos. Nenhuma lei de estrutura se opõe a que se forme abole, colorem, pule, bane, demulo. Empregá-los numa forma e deixar de empregá-los noutra é coisa que toca ao uso (BARRETO, apud JUCÁ FILHO, 1981, p. 108-109).
Talvez não seja preciso dizer mais nada, não é mesmo?
Para arrematar, deixemos claro que as condenadas conjugações não são, de maneira nenhuma, exclusividade do uso coloquial, mas próprias da língua escrita culta. Em seu Guia de Uso do Português, a linguista Maria Helena de Moura Neves reconhece a existência desses usos condenados "nas lições tradicionais" (NEVES, 2003, p. 329) e fornece exemplos retirados de A História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman ("Mesmo que uma revolução exploda em circunstâncias que não parecem tão complicadas..."), e de uma edição da Folha de S. Paulo ("E o futuro e o país que explodam"). Temos até mesmo o amparo do filólogo português Rodrigo de Sá Nogueira, que diz o seguinte, em seu Dicionário de verbos portugueses conjugados, sobre o verbo explodir e vários outros de mesma natureza:
Considera-se em geral defectivo este[s] verbo[s], dizendo-se que lhe[s] faltam: a 1ª pessoa do singular do presente do indicativo e todas as do presente do subjuntivo. Reputo este critério injustificável e, portanto, insubsistente. Por isso, dou a conjugação completa (NOGUEIRA, 1978, p. 174).
Talvez nossa língua aja como a bomba descrita na crônica de Drummond, pouco se importando com a gramática... e se sentindo farta de ser controlada por quem não reconhece aqueles usos já legitimados na própria escrita culta.
Os verbos erodir e implodir seguem também o modelo de dormir - erudo, eruda, erudam, impludo, impluda, impludam, mas o dicionário Houaiss diz que são regulares - erodo, eroda, erodam, implodo, imploda, implodam.
Os dois dicionários dizem que o verbo eclodir só se conjuga nas terceiras pessoas e sem imperativo: eclode, eclodiu, eclodirá, etc.
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