sexta-feira, 9 de junho de 2023

Uso do sufixo -lógico

É ruim a utilização do sufixo -lógico como mera desinência de adjetivação sem que se refira a estudo. Do grego logikós, ón, relativo a palavra, a proporção, explicação, opinião, razão; de -logía, composto de -logo mais o sufixo. -ia, formador de substantivos,  indicativo de ciência, arte, tratado, exposição cabal, tratamento sistemático de um tema (Houaiss, 2009).

 

Na expressão “alterações histológicas nos tecidos”, por exemplo, existe redundância. Termos com esse sufixo, a rigor, significam relativos ao estudo, ao raciocínio ou tratado correlato ao que se refere. Entidade nosológica significa entidade que estuda doenças, como a medicina, a medicina-veterinária, a odontologia. Metodologia simples é modo simples de estudar métodos, caso teratológico é caso de teratologia, ou seja, afeto ao estudo das deformações congênitas.

 

Não se diz tratamento clinicológico, nem exames laboratorialógicos. Fisiológico, ao pé da letra, expressa o estudo da natureza. Em grego, fisis, natureza, logos, estudo. Nas expressões soro fisiológico, produto fisiológico do organismo, digestão fisiológica, o elemento logos fica inaplicável (P. Pinto, Dic de Termos Médicos, 1962, p. 205).

 

Há na linguagem expressões defeituosas mas consagradas pelo uso comum e não se podem suprimir: jardim zoológico e mesmo soro fisiológico. Por outro aspecto, nas expressões – estudo histológico ou histopatológico, estudo citopatológico, estudo bacteriológico, estudo sobra. Pode-se dizer histologia ou histopatologia da amostra ou espécime, histopatologia, citopatologia do material colhido, bacteriologia da amostra sanguínea.

 

A maior parte dos nomes terminados em logia refere-se a estudos: dermatologia, pneumologia, anestesiologia, imunologia. Na realidade, a aplicação desse sufixo fora do seu valor literal é vastamente aceito no meio científico e não se pode nem se há de modificá-lo. Caso patológico, condição patológica, distúrbio psicológico, são expressões tão usadas que perderam seus conceitos etimológicos. Mas, para os que preferem linguagem científica atilada, bem cuidada, frequentemente se pode, sem prejuízo, omitir, substituir ou usar tais termos corretamente: método simples, em vez de metodologia simples; apresentar sintomas de febre e frio em vez de sintomatologia de febre e frio; doença, em vez de entidade nosológica ou patologia, amostragem celular, em lugar de amostragem citológica, bexiga de forma normal, por bexiga de morfologia normal.

 

Podem-se dizer para maior especificidade: caso neuropático, caso ortopédico, psiquiátrico, caso psicopático; caso de malformação congênita ou de monstruosidade, em vez de caso neurológico, teratológico, distúrbio de comportamento por caso psicológico, histopatologia em lugar de exame histopatológico, resultado negativo da citologia por citologia negativa, pronta toda a aparelhagem, em vez de pronta toda a aparatologia, conseguir uma morfologia (formatação) de dentes artificiais, agente etiológico por agente causal, neurodesenvolvimento por desenvolvimento neurológico e assim por diante.

 

Em seu Dicionário de Termos Médicos (ob. cit.), Prof. Pedro Pinto sugere soro natural, bióico ou biótico, por soro fisiológico. “Existem centenas, senão milhares, de casos idênticos, de nominações más, conservadas pela inércia” (Pinto, Dic. de Termos Médicos, 1958, p 463). Pode-se dizer solução salina a 0,9%.

 

Outros exemplos: alterações imunopatológicas (imunopáticas), alterações patológicas (mórbidas), barreira bacteriológica (bacteriana); cirurgião oncológico (cirurgião oncologista), cirurgião dermatológico (cirurgião dermatologista), técnica anestesiológica (anestésica), condições psicológicas (psíquicas), síndrome neurológica (neuropática), lesões urológicas (uropatias), defesa imunológica (imunitária), aspecto radiológico (radiográfico), tecnologia simples (técnica), a trilogia febre, vômitos e dor abdominal (tríade), prevenção mastológica (prevenção do câncer de mama; consulta mastológica é expressão correta), complicações oftalmológicas (oftálmicas), condutas analógicas (semelhantes), diagnóstico bacteriológico (bacterioscópico, baciloscópico), diagnóstico coprológica (coproscópico), doença reumatológica (reumática), paciente oncológico (com câncer), perfil epidemiológico (epidêmico), exame dermatológico (de pele), doença dermatológica (cutânea), condições meteorológicas (meteóricas), perfil hematológico (hemático), ciclo biológico (ciclo vital), curativo biológico (biocurativo), exame micológico (micótico), coloração coprológica (cor das fezes), condições climatológicas (climáticas), cronológico (temporal), atividade farmacológica da substância (farmacocinética da substância), lesão odontológica (dentária), patologia cardiológica (cardiopatia), alta nefrológica (alta da unidade de nefrologia), diagnóstico pneumológico (diagnóstico da pneumopatia), agente farmacológico (fármaco), tratamento farmacológico (medicamentoso, medicinal, terapêutico), doença hematológica (sanguínea), sudorese endocrinológica (écrina), transparência radiológica (radiotransparência, transparência radiográfica), pomada dermatológica (pomada cutânea), resposta virológica (viral), origem embriológica (embrionária).

 

 

Em grego, lógos também indica palavra, daí: análogo, epílogo, diálogo, ventrílogo. Também indica relação: autólogo, heterólogo, homólogo, ventrílogo. Mas, em relação aos nomes que indicam estudos, essa relação lógico/estudos é determinante e, assim, deveria ser considerada como de melhor uso. Bons orientadores de cursos de pós-graduação enfatizam a importância de usar linguagem científica com exatidão em situações formais. Nesse contexto, a observação dos sentidos precisos das palavras visa ao aperfeiçoamento da linguagem científica e vem a ser útil para afastar questionamentos.

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