Essa frase soa estranhissimamente aos ouvidos brasileiros, pois estamos acostumados com o uso regular dos verbos terminados em -iar, apesar de sabermos que existem casos especiais, como odiar, cuja conjugação na primeira pessoa do singular do presente do indicativo é Eu odeio. Todos sabemos disso. Mas Ele negoceia o crédito com o banco? A associação premeia mulheres empreendedoras? Que esquisitice é essa? Vamos à explicação:
Os verbos terminados em –iar têm três modelos de conjugação, um regular e dois irregulares. Vejamo-los:
1- Os verbos mediar,, ansiar, remediar, intermediar, incendiar e odiar são conjugados da seguinte maneira: as pessoas eu, tu, ele e eles do presente do indicativo, tempo caracterizado pela expressão Todos os dias…, e do presente do subjuntivo, tempo caracterizado pela expressão Espero que…, recebem a letra e antes da terminação –iar:
– Todos os dias eu intermedeio, tu intermedeias, ele intermedeia, eles intermedeiam.
– Espero que eu intermedeie, que tu intermedeies, que ele intermedeie, que eles intermedeiem.
As demais pessoas desses tempos e todas as outras dos demais tempos são regulares:
– Nós intermediamos, vós intermediais.
– Que nós intermediemos.
– Eu intermediei.
– Se ele intermediasse.
– Quando eles intermediarem, etc.
2- Os verbos derivados de substantivos paroxítonos – aqueles cuja sílaba tônica é a penúltima – terminados em –ia ou em –io tanto podem ter conjugação regular quanto idêntica às dos verbos do grupo 1:
– Todos os dias eu premio, tu premias, ele premia, eles premiam.
– Todos os dias eu premeio, tu premeias, ele premeia, eles premeiam;
– Espero que eu premie, que tu premies, que ele premie, que eles premiem.
– Espero que eu premeie, que tu premeies, que ele premeie, que eles premeiem.
As demais formas são somente regulares:
– Todos os dias nós premiamos, vós premiais.
– Espero que nós premiemos, que vós premieis.
– Eu premiei, ele premiou.
– Se nós premiássemos, etc.
O problema dessa nova regra, criada pela Reforma Ortográfica, é que o texto do Acordo registra o seguinte:
“Existem verbos em -iar, ligados a substantivos com as terminações átonas -ia ou -io, que admitem variantes na conjugação: negoceio ou negocio; premeio ou premio”.
Negociar provém do substantivo negócio; premiar, de prêmio.
O Acordo diz, então, que “existem verbos” e cita como exemplo negociar e premiar, não registrando nenhum outro exemplo. Os dois apresentados como exemplos não são os únicos. Com isso ficamos sem saber quais são eles. Ainda é um mistério, mas por enquanto ficaremos com os únicos apresentados pelo Acordo: negociar e premiar. Então, as frases apresentadas no título estão corretas.
3- Todos os demais verbos terminados em –iar têm conjugação regular, idêntica à de qualquer verbo terminado em –ar: eu assobio, eles se saciam, que ele acaricie, ele adia, etc.
Houve outra mudança na ortografia da Língua Portuguesa em virtude do Acordo: as letras e e o, quando estiverem na sílaba tônica, e a sílaba seguinte se iniciar por m ou por n, tanto podem ser acentuadas com acento agudo quanto com acento circunflexo. Então tanto se pode escrever o substantivo que dá origem ao verbo premiar com acento agudo ou com acento circunflexo: o prêmio ou o prémio. Outros exemplos: fenômeno/fenómeno, gêmeo/gémeo, Antônio/António.
Isso vale para qualquer palavra proparoxítona, real ou aparente / acidental.
Segundo o último acordo ortográfico, os verbos ligados a substantivos que tenham as terminações átonas ia e io admitem dupla grafia nas formas rizotônicas. As terminações são átonas, e a sílaba anterior a elas é a tônica. Essa regra trata, portanto, de verbos que provêm de substantivos terminados em ia e em io que tenham a sílaba anterior acentuada, como negociar e premiar, que provêm de negócio e prêmio. As formas rizotônicas dos verbos são oito: eu, tu, ele e eles do presente do indicativo e eu, tu, ele e eles do presente do subjuntivo. Presente do indicativo é o tempo que caracterizamos com a frase Todos os dias…, e presente do subjuntivo, com a frase Espero que…
Diante disso, podemos conjugar os verbos apresentados. Negociar e premiar podem ter, portanto, as seguintes estruturas verbais:
Presente do indicativo: Todos os dias eu negocio, tu negocias, ele negocia, eles negociam. Todos os dias eu premio, tu premias, ele premia, eles premiam. Observe que a sílaba tônica está no i: ne-go-CI-o, pre-MI-o.
Podem, porém, também ser conjugados assim: Todos os dias eu negoceio, tu negoceias, ele negoceia, eles negoceiam. Todos os dias eu premeio, tu premeias, ele premeia, eles premeiam.
Para nós, brasileiros, a segunda opção é bastante estranha. Certamente manteremos a pronúncia a que estamos acostumados.
O problema é que o Acordo apresenta somente dois exemplos: negociar e premiar, deixando os demais com a conjugação tradicional: que eu copie, eu anuncio, eles denunciam, ele renuncia.
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